Acho que o meu único medo, o momento que me deixa sempre apreensivo, surge quando alguém diz "Posso?" e automaticamente apodera-se da minha caneta. Às vezes nem me dão tempo de dizer que não, não podem. De explicar essa regra sagrada das canetas de aparo: não se emprestam a ninguém.
Não sei de onde vem esta regra, mas provavelmente a melhor explicação será um dos pequenos pormenores que fazem a diferença entre estas canetas e as esferográficas - é que elas adaptam-se a nós. Ao longo do tempo, o seu aparo vai sendo moldado pela forma como escrevemos ao ponto de por vezes outras pessoas nem conseguirem tirar um pingo de tinta quando tentam escrever com elas - e depois resmungam, que não escrevem e etc.
Este medo já vem de longe, quase do inicio do tempo em que comecei a escrever com elas. Estava a meio do meu curso, no 3º ano se não me engano, e tinhamos um professor que nos marcou para o resto da vida, ainda hoje está patente na nossa vida, pelo menos na forma de falar - foi ele a origem do tão famoso "jovem", com que eu e o Rui nos chamamos um ao outro e que presenteamos às pessoas que vão entrando na nossa vida.
Nós também lhe demos uma coisa, fruto dos seus anos de juventude com que começou a dar-nos aulas - uma alcunha - o "Franjinhas", elogio ao seu longo cabelo, algo anormal num professor para a altura. Mas nem isso durou muito porque no ano a seguir lá adoptou um corte mais "respeitavel".
Mas estava eu a dizer, a mim deu-me mais qualquer coisa, deu-me este vicio de não emprestar as canetas. Antes dele não conhecia a regra, foi à custa de ele a repetir tanta vez que aprendi que não se emprestam as canetas permanentes.
E depois virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Às tantas numa aula ele pede-me a caneta emprestada e eu com esta carinha singela de calma que tento fazer, mesmo quando estou aos saltos cá dentro, digo-lhe que não, não pode ser. Foi a risota geral do resto da turma - eramos poucos, mas bons.
No entanto, a necessidade de recusar o favor provoca em mim um sentimento de culpa, de vergonha, e é por isso que resolvi o assunto de uma forma simples. Já tinha uma Parker Sonnet verde que me foi oferecida pelos anos, e resolvi comprar a esferográfica do conjunto pelo Natal, de modo a poder declinar delicadamente o empréstimo da minha caneta permanente, mas logo de seguida retirar do bolso uma outra caneta que, essa sim, podia ser dispensada por momentos.
E assim, lá ando eu nesta vida quase sempre com duas canetas atrás - uma a pensar em mim, outra a pensar no outros.
Mudando de assunto para continuar a falar do mesmo, os Italianos têm um problema...